quinta-feira, 27 de setembro de 2018

UM GAJO APANHA CADA UMA DOS FILHOS, QUE SÓ VISTO.


Um metro e quarenta centímetros de altura, entre os quinze aos dezassete anos de idade, abre a porta e bate comigo de frente. Desta vez se ela pensava que eu já estava a dormir, enganou-se.



“Oh miúda mostra esse batton ai nos lábios? “Ove lá oh rapariga, que raio de grupo de estudo é esse que te leva o dia inteiro”? Juro que eu não mereço, sinceramente”!

Abanei a cabeça mais de vinte vezes sem eu dar por isso.
“Estou a ser bem enrolado pela gente desta casa, ainda por cima, dei dinheiro de táxi, para a compra da merenda porque não quer o queijo que temos em casa e como se não bastasse mais uma massa para imprimir o trabalho em grupo”.

Ou saiu eu, ou então, mandem-me com a máxima urgência os patrulheiros do sai ca casa da mãe, para tirarem essa gente da casa do pai, sob pena de me verem a comer papeis na psiquiatria. Oh meu Deus!


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

ACABADOS DE ATRACAR


Chegados sim, numa viagem cujo curso não foi como programada.
Vôo perdido por engano do horário previsto para o embarque, mesmo estando escrito as 05h00 meti na tola que seria as 6h00, jajão, ombalão yanda (o avião bazou) vi fumo.
O recurso foi um esquema que eu não sabia o que viria a ser, o Huambo apenas tem um vôo ao dia.
Saiu-me nas contas um esquema, Antanov 26 da FANA que faria Catombela/Kuito, já estava bom. (pensei, com os meus botões), porque dai seria apenas uma hora por estrada. 
Subi eu e os outros, subiu também uma urna, e la se ajeitamos, vivos e mortos misturados, a viagem virou velório, russos e carga, qual lá apertem os cintos, ou desliguem os telemóveis, aquilo da TAAG ou da LUFTHANSA são mimos a mais.
O que parecia bom, se já estava a salgar, piorava a descida a Catombela, era jejuar sustos, os bancos laterais escorregavam, picadas fortes nos ouvidos, dores nos tímpanos e ia ficando surdo, a Suku yange a mãe a Malia ndifila ñhe (oh meu Deus, oh mãe Maria vou morrer porque)? Desculpem-me mas nós do mato temos o hábito de chorar em português e pensar em umbundo.
Postos a pista, faltava a segunda parte para o Kuito, olhei para o meu companheiro de viagem e disse, "meu rapaz daqui já nem pintado eu vou, desço desta lambreta aérea e vou daqui de carro". 
Lá alugamos um I10 e três horas depois estávamos no Huambo, para a EXPO.
Juro que da próxima não atraso, walunga yu wania (só aprende quem um dia se borrou de fezes)


domingo, 23 de setembro de 2018

COISAS DO AVÔ LOLANDO CHINGALA DO NGULONDA II

Avô Lolando era o fenómeno em pessoa, alias, nunca foi o inverso, de tal sorte que, a tristeza não era chamada a cinco km de raio, onde ele estivesse.
Desta vez entre os vários feitos, ele sugeria apresentar a capacidade da sua força e de toda a sua família.
“Etu eci tuakala akwenje tuaveta alume vocili”, (Enquanto Jovens nós batemos homens de verdade), “Eteke limwe ndilete nõ ongombe yo yiya, aty ndayikuata lonuku yimosi, ndete nõ ongombe yoyio posi, yafa”. (Certo dia aproximava-se um boi que, com apenas um soco atirei o boi ao chão, estava bem morto) falava batendo tremulamente com a ponta dos dedos no chão, levantando num vai e vem o calcanhar entalado no interior da bota de borracha. Diante do boi tombado “Tate wandiluluvala, oseñenha kutue ...ati a Lolando ove mba o kola” (O meu pai olhou para mim, abanou a cabeça admirado e disse que eu era muito perigoso)
Ouvir o vavo Lolando superava qualquer novela de primeiro plano, contar os episódios da sua própria vida era sua mestria.
Olhou para a plateia de jovens entre os doze aos dezoito anos de idade que o rodeava, enquanto prosseguia os feitos; Etu vepata lietu tuapamenle eci cikola (Na nossa família fomos sempre muito bravos e fortes). Andi nda kala la pilimu yange ndakuti ekepa atakiñla ne ombua oituva okuyteia (Tive um primo que mastigava ossos tão duros, que nenhum cão, nenhum cão mesmo tinha a capacidade de quebrar).
Era o alerta que ninguém, ninguém mesmo no bairro se atrevia a abusa-los, sob pena do atrevido ver-se escangalhado que nem um perú grelhado.
Conta mais uma, conta mais vavô Lolando. - Apelava a plateia de jovens.

O AVÔ LOLANDO

Bom, a ideia aqui é pensar no Avo Lolando, uma acomodação para o umbundo do nome Orlando, assim como se passa o nome Isabel para Ngepele.

Sol ameno e o prazer da vida gozado depois do trabalho no campo, era sempre por volta das 16h00 que o ancião do bairro Ngulondua no Huambo aparecia com o cachimbo em mão e um chapéu sobreposto no cimo da cabeça, rodeava-se por jovens ansiosos em ouvir as suas controversas histórias de vida.

Ame Epolua ndalimuile, querendo dizer que; (fui a única pessoa no mundo a estar próximo do arco-iris), dizia que, sempre que aparecesse um arco iris no bairro, todos procuravam manter-se distante e aquele que tentasse aproximar-se dele, tinha a morte certa, pois o arco-íris não poupava adultos nem crianças.

Ciakalako ñgo kuti o olimola muele ofa. (era de tal forma tão perigoso, que bastava ver o arco-íris tinha-se logo morte imediata).

Incrédulos os jovens questionavam se o que ele estava a contar era verdade, qual era a sua idade na altura e como era possível tal feito?

São questões que ele não respondia de concreto, mas mantinha a sua valentia por ter sido até agora o único a abraçar o arco-íris em todo o mundo e estar vivinho da silva, era até agora um, entre os vários feitos inédito do vavô Lolando.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

FUI LA DAR UM LIKE AO HUAMBO

Só fui la dar um like a cidade que me viu nascer, sou também este kunanga do amor, pintado para dar alegrias à vida.

Sou o like do pirão e o Lombi da Chipipa e os loengos vigiados pelos akokotos do reino do Bailundo e da Chiaka.

O meu like também foi dado a Chianga com o verde do Centro de Investigação Agrícola, um like do Viñi Viñi e do Valentim Amões, dois homens deste tempo que amaram a terra da estatua de Norton de Matos.

Só fui la dar um like ao Morro do Moco e a tumba de Noito a kimbanda dos comerciantes brancos.   
Fui a Lagoa do Kuando e dei muitos outros likes na galinha gentia assada com couve refogada e molho de tomate, outro like ao bar Porto pelas fitas de carne assada.

Akulu  atekateka, twatekela kokwiaka, Ndilikoka kosi, lomo ondete vali we*, dois e muitos likes para Justino Wandanga, o tipo é o poeta em pessoa e já agora mais um like a pré academia e ao R21.

Subi a senhora do Monte da Kaala e rezei para dar um like bwe forte a nova governadora, mulher é mãe mulher sabe amar de verdade, vai dar tudo certo mana Joana.

Outros Likes ao Mambroa e o CRC do Mi Mosquito, os Eucaliptos e os Kaviulas e antes mesmo que os meus likes acabem, olho para o Kulimahãla para dar muitos de Parabéns ao Huambo por mais um aniversário e dar só Likes.


*( Tenhos as pernas partidas pela guerra, arrasto-me ao chão e hoje mais ninguém olha para mim – Parte da letra da musica de Justino Wandanga)

Fotos da pagina de Gregório Sousa

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

HÁ FILHO QUE TRAZ CALO

Entre os rapazes e meninas cá de casa, cada um com a sua cartada, uns sonsinhos, outros levados ao sabor da vida, mas estamos de jikulomeso porque aqui ninguém me engana.
“Ah porque papá cheguei a essa hora porque adormeci no táxi e passei a paragem. Como já não tinha dinheiro tive de voltar a pé do ponto X para cá”.
“Mas oh rapaz, ...você que larga as 17h00, chegas as 22h00, assim já é que é o tal Rambo ou o Mike Tyson, para andar a pé quase 12 quilómetros a noite”?
Desse episódio de chico-esperto cuja escola fomos reitores posso tirar duas conclusões; Ou o gajo papou a massa a confiar com o ovo no cú da galinha, ou perdeu-se na roscaria e procurou uma desculpa de meia tigela.
Mas esse gajo pensa que quem eu sou? Vá, de castigo vais a cama sem jantar, amanhã quando acordares podes me queixar ao INAC e eu também vou te processar na DPIC como aprendiz de intrujão!

domingo, 16 de setembro de 2018

COISAS NOSSAS


Eu gostava tanto do João Tchikulia, alias, o Tchikulia era um dos meus melhores amigos na infância, tanto mais que, nos permitíamos entrar em pancadas sempre que as nossas divergências se acentuassem, chamávamos uns nervos terríveis, ora ganhava eu, outras vezes ele, mas a amizade mantinha-se intacta da silva.

Apanhei um choque quando me veio despedir que ia á guerra, nas matas, filiar-se a UNITA, electrifiquei por não achar uma boa atitude para um rapaz de 15 anos de idade.

“Não vá meu amigo, tu deves é estudar e na mata não vais conseguir”
“Quem te disse que não vou conseguir, para alem de ser militar lá tem muitas escolas e vive-se bem”.
“Mais tu podes morrer, sabes que desde a independência a guerra só piorou e aqui na cidade estamos mais protegidos”.
“Nunca mais, as cidades é que serão o maior alvo, serão todas partidas pela guerra”

Lembro-me que brincávamos bastante e ele era exímio em matar pássaros com fisgas, arma feita de borracha de camara de ar para arremessar pedras, eu é que era um fraco, se por acaso matei um pássaro na minha vida é porque o sacana do beija-flores queria mesmo morrer para me ver orgulhoso.

Ficou o ultimo dialogo que tive com João Tchikulia, o único amigo que me despediu para ir a guerra e nunca mais poder vê-lo. Não sei o que aconteceria se calhássemos frente a frente em barricadas opostas.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O DISCO DE NDAKA WO WIÑI

[Vimbo muañila Njamba, ombangulo Njamba] (Num bairro onde entra um elefante, o tema da conversa passa a ser o elefante).
Estou com o Olwkwembo (cabaça) em mãos, o novo disco de Ndaka Wo Wiñi, entretanto o primeiro da sua gesta.

Peguei o Olukwembo e ouvi-o do principio ao fim, voltei a ouvir e voltou a ouvi-lo mais vezes sem cessar. Fiz questão de ter o disco em casa, no carro e gravei no CP para ouvi-lo enquanto me entrego a vida. Esta feita uma boa e grande obra se tivermos em conta o conceito da exigência com a produção e a qualidade única trazida para o espaço raro do nosso soul music.

Ganhamos com esta obra o nosso Fela Kuti ou outro musico cuja expressão Africana se identifica na tonalidade e na mensagem.
Ndaka Wo Wiñi preocupa-se em não trazer apenas mais uma obra para se ouvir e dançar em pistas e palcos desta Angola e não só, mais o sentido da recolha e eterna(cionalidade) de uma cultura.

Tal como Nito Gaspar e os seus misosos, como Gabriel Tchiema e o Mbimba, Ndaka vem com uma proposta regional que se identifica no espirito da ancestralidade bantu, ao se propor melhor que ninguém, trazer a Lingua Umbundo como identidade no seu canto.

Há aqui nesta obra a preocupação com a exigência e com o desafio, um romper de pedras para se afirmar, coisas que encontramos em ‘coisas’ feitas por Affrikanita e Monique Seka e está feito um disco que na minha opinião vem homenagear Aretha Franklin a rainha do Soul.

Twendi ke vamba vosi yetu ou nda okuela pula pula (vamos todos a circuncisão, ou não arranjes mulher para casar sem antes consultar quem ela é) remetem-nos a busca da nossa identidade filosófica Africana, pois o disco esta cheio de provérbios e histórias cuja riqueza hipnotiza quem entende a lingua e se revê na cultura.

A ousadia de trazer dona Rosalina Cassapi sua mãe a cantar no disco, marca aqui o sentido de reconhecimento da sua base enquanto colector raro, pois, pois estamos diante um Lukwembo cujo sentimento nos remete apenas a dizer; “Sim Senhor wambile wanda”  Hoko

domingo, 2 de setembro de 2018

SAMANGUANA "O GRANDE"

Nas vestes de soldado trajando calça e camisa Orix, bota militar aos pés (não havia sapatos para qualquer) destacado na 2ª Região Politica Militar, vi Samanguana a dar um show que jamais se apagará da minha memoria.
Eram vividos os anos oitenta, quando andar de cabelo a uma altura média contrapunha-se as nossas cabeças lisas de hoje.
Ouvi pela primeira vez as musicas deste senhor na rádio provincial de Cabinda, num momento de escassez de musica nova, elas tocavam numa média de oito vezes ao dia em todos os programas, (excluindo os programas pio).
Na condição de soldado o único meio de ouvir musica era a rádio, meio este oferecido pela direcção politica para nos manter informados, a alternativa a rádio acontecia quando fosse ao final de semana visitar a mamã Françoise, dama elegante do chefe Progresso, que dispunha de um aparelho com colunas, cuja musica tocada era apenas de Samanguana alternando com a de Bonga por serem os únicos discos em casa.
Com Matadidi Mário
O disco redondo, long play de vinil, com cerca de dez centímetros de diâmetro, tocava da primeira a última musica e não cansava ser ouvido, na vontade de dar uns toques de dança, ainda que, apenas mexendo o pescoço.   
Ai Love Maria Tebo Tebola, Suzana Kulibaie, eram para mim os destaques entre tantas as outras, que faziam par ao Maria Kasputo, tem funge tem burbulha não soubeste bicular (especulava-se tratar-se de uma piada de Bonga a primeira, primeira dama por ser mindele (branca em fiote).
O ponto máximo de Samanguana, para minha felicidade, foi vê-lo ao vivo no repleto estádio do Tafe. Musico tratado como rei em carro executivo do governador Armando Dembo, com direito a batedores e escolta de alta segurança.
Para não falhar ao show trocara meu turno de serviço fingindo-me em “doente politico” dias antes, para baralhar a escala de serviço.
O Homem deu um grande recital de rumba e carregou um trofeu, levando uma moça que destemida rompeu o cordão de segurança, subiu ao palco e dai soubemos que a levou aos camarões onde, segundo a Chindinha, viveram e fizeram uma linda filha.
Foi este homem que reaparecido no Royal Plaza após cerca de vinte anos, com algumas rugas mas a mesma performance e a ginga.
Sobre Samanguana há muito por se contar.


G A L E R I A