sábado, 23 de março de 2019

Afrikkanitha sob o crivo crítico de Lauriano Tchoia


Afrikkanitha é uma voz que nos desperta de forma clara, para um conceito que se afirma como rumo de uma música estruturada, é uma voz do jazz que se distingue pelo esforço em manter os dogmas da classe e critérios de uma cantora perfeita.
Ela agrupa em sí, um domínio da génese criativa e faz-se suportada por padrões estéticos que balizam o seu canto.
Qualquer bom ouvido pára, para ater-se aos argumentos que se entrelaçam na sua música, com sonoridades desde os instrumentos de precursão, sopros e cordas e por final a voz. “Quem a ouve Afrikkanita, sente-se bem”. 
É esta voz que ela ergue para cantar a paz o amor e a vida, com a música Tabanimató num grito de insurreição, faz-se em defesa das crianças, num alerta ímpar, enquanto também progenitora, sofre pêlos desfavorecidos no continente, sofre enquanto mãe.
Na música, a cantora, eleva-se ao trazer o inglês para a compreensão das imagens que é a nossa Africa, traz reflecções sobre carências, incompreensões, convulsões sociais e o desespero em Haya Kele. O pregão desta cantora, junta-se as vozes do Africa de Ismael Lô, ou Africa Yami da Gabriel Tchiema com a rica participação de Gerald Totó.
Entre os seus variadíssimos temas fundidos na sua obra discográfica, uma particular alusão ao Nga Madia, numa fusão do Massemba com o jazz articulado numa percussão ímpar, eleva o Kimbundo no texto, para o degustar de audiências onde o tema cai como Cocktail num lanche tropical de bombo com ginguba e maruvo do Bengo. 
A relevância pelo Jazz fez-lhe intransigente, a menina da Rua 16 do Bairro Mártires de Kifangondo, simplifica criteriosamente o canto e neste planar pode ombrear perfeitamente com Dianne Reeves na magnitude da raça negra.
Afrikkanita nasceu nas terras férteis do café negro, e bebeu influencias culturais, do cisosi* e Lundongo numa passagem pelo bairro Académico no Huambo onde os senhores António José “Brazil” natural da Kibala e Carolina Sandaleno de Porto Amboim, ambos da província Angolana do Kuanza Sul, fizeram-na passar por razões profissionais.
Regista-se por parte desta, um grande apego a sua família, beija, ouve, ampara e presta-se a dedicar a máxima atenção aos que a ela ocorrem para um abraço fraterno de mana-irmã e recebe de forma recíproca o respeito e a amizade que lhe é merecido, por doar-se aos seus.
Não tem como, …este percurso humano e as mil viagens que carrega aos ombros, só podiam dar certo, pois, permitem-lhe ler o universo por cima e plantar poesia com mestria em cada canção que apresenta ao seu público.
Afrikkanita enquanto rainha do Soul Music desta terra, é a perfeição de uma musa que impulsiona a música de Angola para um auditório de singular complexidade e com estrada para trilhar, só imploramos que continue a brilhar, …enfim.
*Lê-se Tchissoci
Texto publicado na edição de 17 de Março no Jornal de Angola.

A minha Filantropia Barata


Ido do Tchamutete à Caála, para onde fomos residir, fugidos dos confrontos armados em 1974, acto que poderia levar a provável morte do meu velho por ter sido um militante teimoso do MPLA e eu um entusiasta militante da OPA,
Na nossa casa vivíamos de simpatias divididas, o velho e três rapazes do MPLA e a velha da UNITA, na paz como uma espécie de Primeiro de Agosto e Petro que sempre perde.
O que me chama a este episodio é o novo amigo conseguido por força desta mudança de residência, o Bernardo.
Rapaz com os seus treze anos, alguns meses menos que eu, filho de gente sem posses, enquanto eu estudava a sétima classe ele andava na terceira e quase sem roupa alguma.
O Bernardo tinha apenas dois calções, um para ir à escola e outro que não merecia este nome, de tão roto e já não aceitar remendos.
Tinha a parte escura das nádegas e todas fora dos trapos a confundirem-se com duas abóboras encaixadas.
De tanta pena e porque tínhamos de andar em passeios juntos, retirava da minha roupa, alguns calções para oferecer ao Bernardo e estarmos em pé de igualdade.
Já naquela idade, eu não me sentia justo, andar em pé de superioridade diante o meu amigo, até que um dia a minha velha, que até era boa, descobriu a minha filantropia com dinheiro deles, neste dia vi o sol vermelho e o diabo a assar sardinha.
E pensam que até hoje deixei?!